Apenas mais um sobre o amor


Hadassah Zucoloto é natural de Sousa/PB, mora na Zona Sul de São Paulo, formada em Jornalismo pela Faculdade Paulus de Tecnologia e Comunicação, trabalha com assessoria de comunicação e é autora do blog Temporal de Sentimentos. Entre em contato clicando aqui.

Apenas mais um sobre o amor

Fechei os olhos e jurei que jamais me permitiria sentir aquilo novamente. Não era medo. Talvez um pouco, mas não somente. Chamaria de precaução. Só quem teve o coração estilhaçado em mil pedaços sabe que, por mais que a cola do tempo seja tão eficiente quanto super bonder, nunca é possível retornar à forma original. Sempre fica um fragmento perdido pelo caminho e, consequentemente, um buraco. Que nunca some. Nunca é preenchido.

Anulei por completo qualquer outra função que pudesse ser atribuída àquele órgão vital que não fosse bombear sangue. Estava bem. Era o que eu repetia verbal e mentalmente toda vez que alguém perguntava sobre ele. E realmente estava. Foram anos realizando apenas suas funções básicas, até que aquela noite chuvosa chegou e mudou – só não sei especificar muito bem o que. Talvez tudo.

“Só quem teve o coração estilhaçado em mil pedaços sabe que, por mais que a cola do tempo seja tão eficiente quanto super bonder, nunca é possível retornar à forma original.”

Eu não fazia ideia, mas aquele moreno seria meu próximo erro. Era nítido: qualquer que fosse o desfecho daquele encontro – provocado pelo destino ou não – seria um erro. Se fossemos embora e disséssemos adeus sem nunca provar os sabores que traríamos um ao outro. Se provássemos o suficiente para ficarmos viciados naquilo, mesmo sabendo que continha substâncias que nos destruiriam aos poucos.

Tudo terminaria errado. Porque é assim sempre, não importa o quanto você se esforce para dar certo. E eu sabia disso, mesmo assim deixei ele pegar minha mão e me levar por aquela rua – que eu também sabia muito bem onde daria, mas estava pouco me fodendo. Algumas pessoas simplesmente valem o risco.

“Era ele. Pela descrição, só poderia ser.”

Percebi que estava apaixonada semanas depois, em uma tarde qualquer, enquanto lia um romance. A protagonista e narradora da história descreveu “seu príncipe” como a pessoa mais linda do universo – com olhos intensos, capazes de devorá-la viva, e um sorriso encantador. Imediatamente dei o rosto dele ao personagem.

Era ele. Pela descrição, só poderia ser. Era óbvio que a autora não só o conhecia, mas também foi vítima daquele par de olhos castanhos que fazem tudo parecer pequeno perante sua imensidão. Não havia outra “pessoa mais linda do universo”. Pelo menos não do meu.

Desde então, passaram-se 168 dias.

Cento e sessenta e oito. Repito em voz alta e pausadamente, um tanto orgulhosa. Parece pouco mas, para mim, foi bastante. Bastante para me trazer de volta à vida. Para colorir. Para inspirar meus textos mais tristes e bonitos. Para acrescentar uma porção de significados novos a cada palavra do meu dicionário particular. Para me fazer esperar algo melhor do amanhã, pois ele realmente pode trazer. Para permitir.

Hoje, quando a rua finalmente chegou aos confins, seguimos por caminhos diferentes. “Como tinha que ser”, pensei, em uma tentativa inútil de amenizar a dor. De estancar a hemorragia antes mesmo da primeira gota de sangue cair. Mesmo assim, senti os cacos se espalharem em meu peito – só que de uma forma distinta da anterior.

“Foi o bastante para me trazer de volta à vida. Para colorir. Para inspirar meus textos mais tristes e bonitos.”

Eu precisava de algo que destruísse meu coração novamente para ter certeza de que ele ainda existia. Que ele ainda podia ser o mesmo, apesar das frestas e cicatrizes. Para escancarar na minha cara que estive equivocada durante muito tempo. É possível preencher novamente, sim. É possível transbordar até. A dor é um preço pequeno a pagar para se sentir completa novamente.

Fechei os olhos – dessa vez sem jurar nada, sabendo que, em outra noite chuvosa qualquer, falharia. Simplesmente deixei as lágrimas escorrerem, lamentando a nova porção de fragmentos deixada para trás. É uma falta que não passa nunca, mas quase passa o todo dia. A gente não supera, aprende a conviver. Até que o processo se repete e você tem novas ausências para lamentar.

No fim das contas, apaixonar-se é como cair de um precipício: você sabe que acaba em morte, mas aprecia a vista até alcançar o chão. É um looping de ganhos e perdas que dura o tempo exato para valer a pena.