
Raquel Costa, de São Bento do Sapucaí/SP, formada em Publicidade e Propaganda, é Artista Plástica e proprietária da Mandalas BEM ME QUEL. Entre em contato clicando aqui.
Desde quando fui morar em uma cidade que não conhecia ninguém, tinha que me virar e fazer tudo sozinha. Não deixava de visitar lugares só porque não tinha companhia – era a chance de aproveitar a minha própria. Ia toda semana ao cinema, supermercado, restaurantes, shows de Jazz no SESC e cafés.
+ Loka, com Anitta, Simone e Simaria, proporcionou um senso de empoderamento e autovalorização
Nunca me privei de nada, e não entendia a dificuldade das pessoas para fazerem as coisas que querem sem uma companhia. Para alguns, ir ao cinema sozinha é sinônimo de carência e solidão, mas para mim era o melhor momento comigo. Prestava atenção 100% no filme e sempre achava lugares excelentes.
Um dia, saí extremamente cansada do meu trabalho e fui à uma lanchonete/bar, desses dentro de postos de gasolina. Só pensava em comer um lanche e “tomar uma” para relaxar do longo e exaustivo dia que tive. Pedi o sanduíche, peguei a cerveja e sentei em uma mesa.
para o sistema opressor, mulher não pode sair à noite sozinha
Do lado de fora, vários grupos assistiam ao futebol de quarta-feira, então resolvi sentar na parte de dentro, onde parecia ser mais tranquilo e ter menos gente. Comecei a ler meu livro enquanto o pedido não ficava pronto.
Episódios machistas acontecem diariamente
Dois homens chegaram e sentaram nas cadeiras à frente da minha mesa, sem ao menos pedirem permissão. Peguei meu celular e comecei a fingir conversar com alguém por mensagem, tentando demonstrar que estava ocupada e indisponível para supostas novas amizades, uma vez que a minha negativa não surgia efeito. Eles insistiram.
Tentaram puxar assunto sobre o livro que eu lia. Perguntaram com quem eu estava conversando e insinuaram que eu estava no Tinder, mesmo após eu explicar que falava com meu namorado. Porém, se você não usa uma aliança ou não está grudada 24h com um homem, você não está em um relacionamento sério.
Homens, quando a mulher diz não,é não. Ela não tá querendo dizer “sim”, ela não tá de frescura e nem fazendo cu doce,é simplesmente um “não”
— Cachinhos ♡ (@ParaRayley_) 23 de junho de 2017
Nessa sociedade machista em que vivemos, é preciso apresentar uma garantia. E o mais triste disso tudo é: o “não” da mulher nunca é levado em consideração. Até o ponto que vira obrigação mencionar um compromisso, só para reforçar uma decisão que por si só já deveria ser respeitada. Não é não!
Lugar de mulher é onde ela quiser
Pedi licença para comer meu lanche em paz, não adiantou. Perguntaram o porquê de eu estar sozinha tomando cerveja num bar, e insinuaram que eu era uma prostituta. Sim, pois, para o sistema opressor, mulher não pode sair à noite sozinha. Se ela faz isso, significa que está à procura de macho e sexo. Pior ainda se bebe uma cerveja. Segundo um dos rapazes, lugar de mulher ~direita~ é em casa, assistindo novela.
O FEMINISMO LUTA PARA QUE A MULHER TENHA DIREITO DE DECIDIR E FAZER O QUE tiver vontade
Presenciei, em 30 minutos, uma amostra de todo o discurso machista de décadas. Nessa hora, minha vontade era só de sumir dali. Para parar de ouvir tanto absurdo e não me sentir coagida daquela forma. Fui mais incisiva, para eles irem embora, até que eles levantaram da mesa, irritados por eu não ter cedido às provocações.
Homem privilegiado mais sistema, oprimia. Um salve vai pras mina que na luta botam fé
Lugar de mulher é onde ela quiser!— linduda ☘💚 (@_DudaOliiveira) 27 de junho de 2017
A culpabilização involuntária da vítima
Entre a raiva e a tristeza, existe o medo. Eu queria xingar, gritar, jogar cerveja neles, mas o meu pensamento era qual seria a reação deles. Eu sairia dali sozinha, eles poderiam me seguir no caminho. O medo paralisa.
Fui para casa me sentindo um lixo e me culpando por parar lá. Tentei relembrar se havia dado a entender algo errado pela forma que falei, olhei ou como estava vestida. Passam mil coisas na nossa cabeça, tentando achar um sentido para aquilo. A verdade é que realmente não existe nenhum.
queremos o direito sobre nossas próprias escolhas, não nos esculpirmos para entrar num molde de mulher pré-estabelecido pela sociedade
Claro que isso foi apenas UM entre tantos episódios que já passei ou presenciei, mas já foi o suficiente pra eu me sentir mal em fazer coisas sozinha como antes. Depois disso, achava que todos me olhavam de uma forma diferente, ou me julgavam por não estar acompanhada. Que passaria pela mesma situação. De novo.
O feminismo, radical ou liberal, é importante
A partir daí, me aprofundei no feminismo, que luta justamente contra essa opressão imposta pelo patriarcado de que a mulher não tem direito de decidir e fazer o que ela quiser. E se ela faz, é agredida verbal e fisicamente. É coagida, aprisionada, refém. Muitas vezes, por seus próprios companheiros. Nós só queremos o direito sobre nossas próprias escolhas, não nos esculpirmos para entrar num molde de mulher pré-estabelecido pela sociedade.
Existem muitas pessoas que não presenciam ou passam por situações que se sintam oprimidas dessa forma e, por isso, julgam e deslegitimam o feminismo. Só por que você acredita que não te afeta, não quer dizer que não existe.
É preciso de empatia pra entender: você está confortável dentro do seu círculo social, mas milhares de mulheres são agredidas e assassinadas por causa dessa cultura machista. Quanto mais gente perceber a importância dessa luta, mais força teremos para mudar a cultura e vivermos num mundo mais tolerante e igualitário.