A África não é só pobreza e vida selvagem

O colunista Gustavo Leutwiler Fernandes autor do livro Africanamente
Gustavo Leutwiler Fernandez
, de São Paulo/SP, formado em Comunicação Social, é agente de viagens de voluntariado, fundador do projeto Trip Voluntária e autor do livro Africanamente. Entre em contato clicando aqui.
Quando embarquei para minha primeira viagem internacional – um voluntariado em um hospital infantil nos subúrbios da Cidade do Cabo, África do Sul – eu acreditava que estava prestes a cumprir meu papel como cidadão global, prestando a caridade a quem mais precisa.

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Cinco anos depois e tendo passado também por Zimbábue, Etiópia, Ruanda e Palestina, descobri que muita coisa que eu achava que sabia sobre países africanos e do Oriente Médio era apenas a visão ocidental a respeito deles, repleta de preconceitos e distorções, insistentemente retratada em noticiários e filmes de Hollywood.

Africa não é só pobreza e miséria

Foi para combater essa imagem deturpada de povos e culturas historicamente oprimidos que eu publiquei o livro “Africanamente: o que vivi e aprendi como voluntário na África” (Ed. Autografia). Parte do conteúdo da obra você encontra a seguir, nas 5 principais lições que aprendi depois de ser voluntário no exterior:

África não é só pobreza e vida selvagem

Quando o assunto é África, praticamente todo mundo já pensa logo em crianças passando fome e leões correndo pela savana.

Existe muita riqueza material, cultural e principalmente humana na África ainda que os meios de comunicação prefirem destacar a pobreza e a vida selvagem.

Ser voluntário na África me fez perceber o quanto enxergamos aquele continente apenas com base naquilo que a autora nigeriana Chimamanda Adichie chamou de “única história”. Nas palavras dela, “o problema de um estereótipo não é ser mentiroso, mas ser incompleto”.

Não tenha uma profissão, tenha um propósito

Passei grande parte da vida me perguntando “o que eu quero ser quando crescer”. Escolhi a área da Comunicação porque sempre gostei de contar histórias, seja por meio de texto, fotos ou vídeos.

O fato é que nenhuma atividade profissional me trouxe tanta satisfação quanto limpar o chão, trocar uma fralda ou dar de comer a uma criança durante meus voluntariados na África.

Aprendi, com isso, que o que garante a realização profissional não é “o que” fazemos, mas “por que” estamos fazendo. O que vale é o propósito, não a atividade. Descobri que a felicidade não está em fazer o que gostamos, mas sim em trabalhar por aquilo em que acreditamos.

Trabalho voluntário NÃO salva o mundo

Meus trabalhos voluntários sempre são realizados durante as férias e, ao contrário do que a maioria pensa, não envolve nenhum tipo de “perrengue” ou sofrimento: a carga de trabalho costuma ser bem razoável e sempre há tempo para descontração, diversão e visita aos pontos turísticos.

Lições que eu aprendi no meu voluntariado na África

Ser voluntário na África é uma forma mais sustentável de viajar e de estar conectado à comunidade local, porém quem realmente faz a diferença na vida daquelas pessoas são elas mesmas quando, dia a dia, saem da cama dispostos a trabalhar para mudar a realidade em que vivem.

Da mesma forma, nosso papel como cidadão não é feito durante um voluntariado nas férias, mas sim na nossa vida cotidiana, sendo corretos e honestos em nosso trabalho, com nossos amigos e nossa família. Ou seja: é hipocrisia atravessar um oceano para prestar a caridade, mas ser incapaz de enxergar o irmão necessitado ao nosso lado.

A comunidade é a protagonista

Enxergar os africanos como pobres coitados e acreditar que o voluntário é o super-herói que chega com todas as soluções para os problemas dos outros é apenas uma nova forma de colonização, sem falar no tremendo desrespeito, arrogância e preconceito transmitidos em uma atitude como essa.

O papel do voluntário é ouvir, muito mais do que falar, esforçar-se para entender a realidade daquele a quem se propõe a ajudar e colaborar naquilo que for necessário, porém incentivando a própria comunidade a criar e colocar em prática suas próprias soluções.

O voluntário, enfim, deve ter a mente aberta e, praticar, antes de tudo, a humildade.

A África não é um país

A sociedade em que vivemos acostumou-se a enxergar a África como se todo o continente fosse uma coisa só, geralmente definido por pobreza e vida selvagem. É preciso lembrar que existem ali mais de 50 países, a maior parte deles com dezenas de povos, culturas, idiomas e vertentes religiosas diferentes.

Mais do que doações de dinheiro, roupas e comida, o que a África precisa é de respeito. É essencial lembrar sempre que a maioria dos problemas africanos não surgiram espontaneamente; foram criados e alimentados, direta ou indiretamente, pelo mundo ocidental.

 

Voluntariado na África

É chegada a hora do povo africano ter voz própria. Eles merecem falar e nós precisamos ouvir o que eles têm a dizer.

Devemos, sem sombra de dúvidas, ajudar a África, não porque ela precise de nós, mas porque é o mundo que precisa da África.